Carlos Iqui e Tiago Lemos para revista Tribo Skate

Entrevista com Carlos Iqui e Tiago Lemos, originalmente publicada na edição 244 da revista Tribo Skate.

tribo_244_capa-762x1024Tiago Lemos e Carlos Iqui agora são skatistas profissionais. O reconhecimento veio através do mercado de skate norte-americano, a forma mais difícil e disputada que existe. São raríssimos os casos de estrangeiros que chegaram totalmente jovens desconhecidos, sem falar a língua e serem abraçados pelas marcas com todo suporte e cobertura da mídia dos EUA. Iqui e Tiago conquistaram respeito, construíram uma reputação e se solidificaram no cenário internacional em 2015, quando foram um dos skatistas principais do De la calle/Da rua, vídeo da DC Shoes. Tiago também explodiu ao ter sua exposição de destaque no “We Are Blood” e se tornou mais um fenômeno de popularidade e carisma.

A passagem para a categoria profissional foi feita através de suas participações no novo vídeo da Boulevard Skateboards, o “Quinto”, que teve a première mundial em São Paulo com presença de alguns integrantes da marca.

Foi uma noite especial, principalmente para Iqui e Tiago, que ainda não tinham assistido ao vídeo e estavam rodeados pelos amigos brasileiros.

Na manhã seguinte fui ao hotel entrevistar os skatistas recém profissionalizados e ver se eles tinham noção de tudo que está acontecendo ultimamente. Primeiro conversei com Tiago Lemos.

Como foi acordar hoje depois dessa première?
Acordei muito bem. Muito a pampa, tá ligado? Feliz! Acordei, já vi o Wilton (Souza) jogado, o Pedrinho (Biagio), o (Carlos) Iqui. A noite ontem foi muito ‘style’. Todo mundo junto, o time, muita energia boa. Acordei bem tranquilo. Já olhei pro chão, já vi o shapinho jogado ali também. Só alegria.

Na semana passada, no teu aniversário, fizeram a surpresa pra você e o Iqui pra mostrar os pro-models.
A gente estava lá no JKwon, fomos com o (Rodrigo) Gerdal lá. Foi bem no dia do meu aniversário. O dia já tinha sido muito style, tinham rolado várias paradas. Eu tinha filmado uma manobra também, num pico que eu sempre quis filmar. E de noite a gente foi no JKwon, que o Gerdal estava tentando o switch frontside bigspin nosebluntslide faziam três dias. E bem nesse dia ele voltou. Todo mundo comemorando. E do nada, os caras já encostaram com as câmeras e ficaram parados na nossa frente, minha e do Iqui. Eu não estava entendendo. O Gerdal acertou, todo mundo comemorou, voltamos e sentamos no mesmo lugar. O Toya (Danny Montoya, sócio da BLVD) veio de trás da gente, no escuro, estava tudo escuro, e começou a colocar os shapes do nosso lado. Aí eu já vi os shapes e já nos emocionamos. Foi meu melhor aniversário.

Nos últimos meses você ficou um tempo parado se recuperando de uma cirurgia na mão e não conseguiu filmar muitas coisas.
Operei faz uns três, quatro meses. Eu operei, fiquei um mês de gesso. Um mês sem. Total de dois meses, não deu tempo de terminar a fisioterapia porque os ‘corres’ já estavam a milhão, já chamando. Mas agora já tô firmão, retomando o skate.

Você queria ter tempo pra ter filmado mais.
Eu queria ter feito uma parada bem da hora mesmo. Ficou curtinha minha parte. Gostei da minha parte pra caralho, mas eu queria ter feito uma parte bem da hora. Mais tempo. Mas, de boa, tô feliz com minha parte, com o vídeo.

Felipe “Bocão”, brand manager da BLVD no Brasil, estava do nosso lado nessa hora e perguntei se a première em São Paulo já estava programada, porque ela foi anunciada bem em cima da data, menos de uma semana depois de anunciarem as profissionalizações e antes das últimas manobras serem gravadas.

“A principio seria lançado dia 6 no Berrics, sexta-feira. Então a gente teve que acelerar a première aqui no Brasil (pro dia 2). Que é um bagulho que eu queria muito fazer, não tinha como. O Montoya sabia que a gente queria, já tinha dado o aval. Só que o vídeo não estava terminado, os caras estavam filmando até quinta-feira. O Tiago tinha operado a mão no começo do ano, voltou e teve um mês pra tentar filmar alguma coisa. Fora todos esses compromissos. Berrics, documentário da Mountain Dew. E finalizaram o vídeo domingo de noite. Mas já estava programada. E como ficou muito em cima, tem alguns conteúdos do Berrics que eles vão soltar antes do vídeo. Então eles colocaram pro dia 20.”

Você e o Iqui tem uma história sendo construída juntos até agora, principalmente por causa da DC e Boulevard, os patrocinadores em comum.
Eu conheci o Iqui quando comecei a pegar tênis na DC do Brasil. Eu sempre curti o rolê dele e desde ali a gente começou a andar juntos, já começou a rolar uma sintonia. Assim foi o começo. Depois a gente fez várias trips juntos, pra vários lugares. Fomos pra gringa, fizemos o ‘corre’ lá. É muito style andar de skate com o Iqui. E é muito da hora termos passado pra Profissional juntos. Um bagulho muito louco.

E agora vocês começam a seguir rumos diferentes. Você está indo pro Pro Open da Street League.
Na real, eu queria que ele fosse também. Porque eu não curto muito. Mas se o Iqui estivesse junto ia ser da hora. Nós estaríamos lá juntos, ia ser da hora. Vou colar lá e ver qual que é, tentar representar.

Mas você tá na pilha?
Eu não tô tão na pilha. Tipo, quero ir pra ver qual vai ser e tal, ver como que funciona. Mas não tô tão na pegada. Mas já corri vários campeonatos, ‘milianos’ atrás. As vezes me dou bem, as vezes não. Mas vamos ver qual vai ser.

Hoje você é um cara bastante querido pela galera. Tem muita gente torcendo por você. Se não te convidassem, um monte de gente ia ficar reclamando que você deveria estar lá.
Os caras querendo que eu entrasse, né? É foda esses bagulhos.
Faz muito tempo que eu não corro campeonato, só andando de skate na rua. As vezes os caras ficam lá na torcida e você não passa. Queria representar, estar no bagulho. Todo mundo na torcida, mas se não rolar, não rolou. Campeonato, tá ligado? O que eu gosto mesmo é andar de skate na rua.

Ano passado você focou bastante em filmagens.
É que surgiu. Tipo, eu estava só filmando pra uma parada e foram surgindo outros projetos pra fazer. Aí não parou. Fazendo um projeto aqui, filmando pra um projeto aqui, aí já surgiu outro, comecei a filmar pro outro. E assim foi, por isso que rolaram várias imagens, várias paradas.

A vida mudou.
Mudou. Tá mudando. Agora as coisas ficando a milhão, mais sério, trabalho. Tem que ter agenda. Não dá mais pra ficar suave, só andando na minha cidade. Só andando de skate. Tem que filmar, fazer o corre, viajar, sessões de autógrafos. Mil fitas. Mas, da hora, tô feliz pra caralho de estar vivendo esse momento. Cê é louco, sem palavras.

Essas responsabilidades te colocam pressão?
É uma pressãozinha. Porque eu não estava acostumado.

Eu sempre escutei muitas histórias boas dos seus amigos falando de quando você era criança, sua simplicidade. Mas ontem, na première, rolou um carinho imenso. O Thomas Toddy (fotógrafo colaborador da Tribo Skate) falando que tem umas fotos sua.
Pode crer, o Toddy, o Creke (Aires), eu andava com eles quando vinha pra cá. Nas primeiras vezes que eu vinha pra cá eu ficava na casa do Tulio Oliveira. O Tulio e o Junior Boy tinham a Classics. Era eu, Dudu (Carlos Ribeiro), Boy, o Tulio, Ytalo Farias de Campinas. A gente se conheceu ali. Fazia sessões em Sampa e no interior. Da hora, os caras muito sangue-bom e ainda estão aí no ‘corre’.

O Tulio que sempre me falou de você.
O Tulio que me arrastou pra Sampa. Eu colei em Campinas pra andar e ele colou também, pra trombar o Ytalo e os moleques de lá pra andar de skate. Eu sou camarada do Ytalo faz anos, e ele me deu um salve, falando que o Tulio estava colando. Aí eu falei, vou colar também, ver se filmo alguma coisa, acho que os caras vão estar com câmera. Foi dali que conheci o Tulio, ele foi pra Jaguariúna e me chamou pra ir pra casa dele em São Paulo e filmar. Depois de um mês eu colei e fiquei lá.

E hoje de tarde vocês vão fazer uma demo e fazer a première na pista do Tulio (Skatenation, em Campinas).
E a pistinha é bem louca também, naipe gringa, tudo de cimento. Da hora, né, que a gente tá se trombando ainda. Estamos no corre ainda, da hora ver ele lá fazendo o corre dele, cada um no seu corre mas estamos se trombando direto, andando de skate quando dá. Bem louco!

Pra finalizar, me descreva o Iqui.
O Iqui é um maluco muito cabreiro. Pessoa e skate. Monstro do skate, anda pra caralho. Além do skate, a pessoa dele, moleque é sem palavras, sangue-bom pra caralho, humilde. Ele vem de uma família, muito humilde também. Os irmãos dele andam de skate também. Mãe dele, o pai dele são 100%. Eu sempre curti muito o rolê dele antes de conhecer ele. Depois que eu conheci eu vi que era da hora, um moleque firmeza, sangue-bom. Só curto mais e mais. O Iqui é moleque bom!

Acabando essa entrevista saímos pra almoçar e na volta sentei pra entrevistar o Carlos Iqui, que estava dormindo de manhã.
Nos acomodamos no sofá do hotel e o Tiago Lemos sentou próximo dele.

Comecei já entrando no mesmo assunto que eu estava falando com o Tiago, o fato deles estarem vivendo um momento único juntos faz um tempo.

Esse momento é inesquecível. Cada um é de um canto. O Tiago é de um canto, eu sou de outro. E estar nesse momento com o Tiago, passando para profissional. Não tem como explicar. O Tiago, a pessoa dele, é cabulosa. Não tem como se sentir bem. E fazer parte da mesma equipe da Boulevard e da DC junto com ele, não tem. A gente está sempre andando de skate juntos, a energia vai além, inexplicável.

Além do skate, da pessoa, o que mais vocês tem em comum?
Tiago responde ao fundo: “Andar nos picos altos.”
Pico ele anda em qualquer lugar. Sou meio suspeito pra falar o que a gente tem em comum. Mais amizade mesmo, estilo de skate.

Se não fosse os patrocinadores, como acha que teria essa ligação?
Os patrocínios ajudaram bastante. Porque eu sou do sul, ele é de São Paulo. Se a gente não fosse da DC juntos não teríamos feito tantas viagens juntos, ter descoberto tantas afinidades. E isso ajudou bastante. E tenho certeza que um pode ir pra outra marca, outro lugar, mas (a amizade) vai ficar pra sempre. O que aconteceu, essa história aí vai ficar pra sempre, certeza. As marcas ajudaram, com certeza. Foi só um alicerce pro futuro, pro resto da vida.

Tem muitos anúncios, partes de vídeos, entrevistas, sempre os dois juntos. Você acha que está na hora de cada um ter sua história individual, mesmo tendo essa ligação forte?
Mas isso é o que tá acontecendo. Ele tá fazendo a história dele. Eu tô fazendo a minha. Mas a gente é amigo, é irmão. Parece que é a mesma história, mas não. Ele tem a dele e eu tenho a minha. E o dia de amanhã a gente não sabe. Pode ter planos, planejamentos pra tudo, mas só ele (Deus) sabe o que está ali escrito pra ti.

Faz quantos anos que você está morando nos EUA?
Quatro anos indo e voltando. Dois anos que eu tenho meu cantinho, minha casinha de boa.

Eu lembro que você, Luan (Oliveira) e o Dudu (Carlos Ribeiro) viajavam na Kombi do pai do Dudu pelo interior do Rio Grande do Sul e até indo pra Curitiba, espremidos, quando crianças.
Minha mãe, os pais do Dudu. Mais os amigos. E ia eu e o Dudu na parte de trás, em cima, na janelinha. Viagem inteira, umas dez, doze horas de viagem.

E agora, vocês três estão lá fora sendo reconhecidos.
Sinistro, trombar, voltar no tempo, fazer uns rolês com o Dudu. As vezes a gente conversa, volta no tempo, só risadas. É inexplicável estar do outro lado depois de todos esses anos, andando de skate com esses moleques desde criança e estar vivendo lá com eles do outro lado.

O que representa o IAPI pra você?
IAPI foi a base. Eu comecei a andar de skate um ano antes de ter o IAPI. Foi quando eu comecei ir pra Porto Alegre não tinha pista de skate. E logo quando saiu o IAPI, é tudo que a gente precisava. Tudo que Porto Alegre precisava, não só pra ter o Iqui e o Luan, como vários outros moleques que estão vindo agora também. E anos e anos vão passando e mais virão. O IAPI é uma escola. Você vai na escola lá. Se não fosse o IAPI, vai saber… Será que eu estaria ainda andando? No IAPI eu só queria me divertir, não pensava em nada, só queria me divertir.
Eu estudava bem do lado do IAPI. Saia da aula meio-dia, ia direto pro IAPI e pegava o cachorro-quente com a Dona Gioconda, que até hoje tem o trailer lá. Eu tinha até conta com ela. Minha mãe chegava de tarde, depois do trabalho dela, ia me buscar, me ver e ficava lá conversando com a Tia Gioconda.

Hoje você está conseguindo ajudar sua família?
Consigo ajudar meu pai, minha mãe, não é tudo aquilo mas consigo dar um suporte. Eles me dão suporte cabuloso também. Hoje em dia é isso. Inspiração da família. O skate salvou a família.

Quando você começou a viajar sozinho?
Com uns 14 anos. Depois que eu saí de casa eu vi que o meu bairro era muito pequeno.

Eu lembro que você tinha uns 11 anos e me falava que seu sonho era andar no Vale do Anhangabaú.
(Tiago e Iqui caem na gargalhada) Era meu sonho andar no Vale do Anhangabaú. Meu sonho era dar um crooked na borda do Vale. Eu via os vídeos Chiclé, só Vale, sonho era andar no Vale do Anhangabaú.

Você se lembra da primeira vez que andou no Vale?
Como não vou lembrar! Cheguei no pico e não consegui fazer nada de tão difícil que era o lugar. Meu sonho era chegar lá. Mas foi engraçado. Cheguei lá, o lugar gigante, centro de São Paulo, moleque, criança. Passei um sufoco, um tempão e não conseguia andar naquele lugar. O pico é bem louco, marcou a história.

Nos EUA também tem bastante picos que parecem ser fáceis mas são bem diferentes, difíceis.
É o que mais tem. Não tem pico fácil. O pico pode ser perfeito, mas não vai ser tão perfeito. É rua, nunca vai estar tão perfeito. Sempre vai ter alguma coisa. Antes de ir pra os EUA eu sempre pensava também nessa ideia também que ia chegar e ser tudo perfeito, tudo certinho. Mas não, você vai estar andando na rua, sempre vai ter um detalhezinho, alguma coisa.

Tem algum pico que ainda sonha em andar?
Sonhava, né? Love Park. Fui pra Nova York, fiquei uns 15, 20 dias pra filmar pro vídeo da Boulevard, era pra gente ter ido pra Filadélfia, pra ir pro Love, fazer uns rolês lá, só que estava muita correria e decidimos ficar em Nova York mesmo. Acabamos não indo, mas fiquei muito triste. Porque era um sonho. Um milhão de manobras na cabeça formigando pra tentar. Mas é isso, já era o pico, infelizmente.

De onde surgem as ideias desses teus combos doidos? Qual a inspiração?
Também não sei, na real, só brizo. Fico viajando, eu gosto de aprender toda hora uma manobra nova e quando eu aprendo tento levar ela mais além. Inspiração são várias, muitos malucos cabreiros. Mas quando tô andando nem penso. Quando vejo, já penso, “nem sabia que consigo fazer isso”. Nem sei de onde surge, as vezes só surge.

Você e o Tiago surgiram com um skate autêntico, com manobras e estilos próprios.
Marca registrada. Skate todos os dias. Estar andando de skate todos os dias. O bagulho vai fluir sempre um combo novo, alguma coisa.

E pra finalizar, me descreva o Tiago, o que ele representa pra você.
(Iqui fica em silêncio e cabisbaixo por alguns segundos) Cai até lágrima do olho só de pensar em falar dele. É difícil descrever o Tiago. Não é muito difícil na verdade. Quem já conhece já sabe. Tiago é esse maluco cabreiro, a energia lá em cima, alto astral sempre. Você não vai ver ele injuriado, bravo, xingando alguém. A vibe dele sempre vai estar lá em cima. E isso aí é um bagulho nervoso na vida. Ele transmite energia onde chega. Ele é assim, passa a energia dele de uma forma inexplicável. Ele é o cara. Meu irmão de diferentes mães. Irmão que o skate deu.

 

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