Klaus Bohms fala sobre shape homenagem ao edifício Wilton Paes de Almeida

Klaus Bohms fala sobre shape homenagem ao edifício Wilton Paes de Almeida

Klaus Bohms
Klaus Bohms fala sobre shape homenagem ao edifício Wilton Paes de Almeida (Sidney Arakaki)

Convenci o Klaus Bohms a me conceder essa entrevista. Porque ele teve uma atitude nobre e não queria posar de herói.

Mas eu acho que essa atitude skativista é exemplar e a história não pode passar em branco.

Sensibilizado com a tragédia da queda do edifício Wilton Paes de Almeida, Klaus produziu uma colagem usando um shape como plataforma. Depois de terminado, ele decidiu leiloar a arte e reverter o valor 100% para os desabrigados do edifício.

Klaus foi lá no acampamento do Largo do Paissandu, conversou com moradores e voluntários para saber quais as necessidades e voltou com as doações.

Essa resistência dele em não querer se expor e usar a ação de solidariedade como marketing só aumenta minha admiração por ele.

Obrigado, Klaus, pela entrevista e pelo exemplo de humanismo.

“Enquanto Morar For Privilégio

Ocupar É Um Direito” – frase no nose do shape

Conta a história da ideia dessa homenagem e o leilão.

A ideia de fazer esse shape foi, num primeiro momento, porque no dia eu acordei e vi essa notícia fiquei chateado porque aquele prédio era um símbolo pra gente que frequenta o centro e anda de skate por ali há muito tempo. Eu lembro que vários amigos gringos colavam em São Paulo, viam aquele prédio e ficavam chocados pelo o que ele representava do caos da cidade. Aí veio a vontade de fazer uma homenagem ao prédio, àquele símbolo da urbe, até pelo formato do prédio, que encaixa legal no formato do shape. Deu esse primeiro estalo e eu queria ter isso no shape.

No meio do processo, eu continuei lendo as matérias, fui lá ver e comecei a saber da probabilidade de dezenas de pessoas terem morrido. Eu vi as pessoas lá acampadas, a reação de todo mundo. E fiquei mais por dentro da coisa.

O fato de ser um símbolo também meu, não me dava o direito de continuar essa ideia como algo feito pra mim. Isso não é só um símbolo pra galera que morava lá, era a casa das pessoas, a vida delas. É um negócio muito mais sério. E daí eu decidi, no meio do processo, que isso era deles. E eu já venho acompanhando os movimentos por lutas por moradias, assisto documentários, estou sempre lendo coisas. Além de frequentar o centro e passar na frente, conhecer pessoas nesses lugares.

E aí que veio a frase escrita no nose pra completar o negócio e tirar isso de mim, não era mais meu, era uma homenagem pros moradores de lá. E a partir desse momento não faria sentido ficar comigo. Então eu tive essa ideia de leiloar, e com todo o dinheiro, ajudar eles lá no acampamento.

E foi muito legal. Eu fiz no Instagram de repente, sem muita seriedade. Eu não quis colocar em sites de leilão. (foi) Bem pessoal. E a resposta foi muito muito legal. Um monte de gente dando lances, querendo ajudar. Eu fiquei muito feliz com isso. É uma coisa que eu já vinha colocando em algumas das artes dos shapes mas não tinha encontrado uma maneira de reverter isso, de como usar isso nas intenções que eu tinha com o shape. E esse foi o primeiro teste. Pretendo continuar fazendo isso sempre, ir além da coisa estética, ter um sentido. As vezes pode não ter, mas quando tiver um sentido, ele ser útil pra alguém de maneira real. Ter essa via de comunicação e de ajudar as pessoas ou alguma causa.

Você já tinha feito o da Marielle.

O da Marielle foi uma coisa muito pessoal que eu senti no dia que ela morreu. Eu não a conhecia. E eu só fui conhecer, infelizmente, depois desse ocorrido. Fui pesquisar, ler, falei com gente que a conhecia. E aí eu fiquei muito sentido com essa parada e quis fazer um shape-homenagem. Já que os shapes anteriores que eu tinha feito, mesmo sem uma causa muito direta, eles tem um tema muito mais subjetivo, uma coisa muito própria. Eu senti que foi uma via de comunicação com uma molecada, skatistas que não necessariamente estão antenados em temas políticos.

Em algumas outras ideias que eu tenho tido de arte pra shapes tenho tentado falar de coisas ou colocar símbolos que não necessariamente são do skate, mas que não deixam de ser. A gente está na rua o tempo inteiro, a gente vive questões políticas que a gente não percebe. Ainda mais a molecada mais jovem, coisas do tipo: a estrutura da cidade, questões urbanas, etc… algumas das causas que a Marielle defendia. Várias coisas a gente lida com elas todos os dias em cada ação, como skatista, mesmo sem perceber. As vezes parece que o tema não é de skate, mas pra mim é. E esses temas tem me interessado.

Você acha que é dever de um skatista profissional tentar passar esse tipo de informações pro pessoal e tentar abraçar causas sociais? Ser um embaixador do skate, ir além do skate.

Não acho que isso seja um dever, mas certamente é uma grande oportunidade que temos nas mãos. A gente tem esse canal de comunicação com a juventude, a gente está o dia inteiro na rua, todos os dias em vários tipos de lugares. A gente frequenta dos bairros mais ricos aos bairros mais pobres, tem amigos em tudo que é lugar. E estamos o tempo inteiro vendo essa realidade, então, pra mim, é um desperdício não falar sobre essas coisas. Tem coisa que se eu não falar, eu vou dormir me sentindo mal. Eu me sinto nessa ‘responsa’. Mas não é obrigação do skatista falar sobre isso. Skate é manobrar, explorar os lugares por aí. A galera está mais pensando em fazer manobras mesmo. É o que cativa. Eu sempre tive essa tendência de pensar no significado das coisas que fazemos com skate pela cidade. E eu tenho esse privilegio de ser skatista que vive tudo isso o dia inteiro. É uma oportunidade de falar sobre essas coisas, temos certo conhecimento empírico das coisas que estão acontecendo na rua. Então eu acho que é um desperdício não falar. Mas ninguém tem obrigação.

O que você sugere para as pessoas que queiram ajudar de alguma forma os desabrigados do edifício?

Eu sugiro que, pra quem queira doar alguma coisa pra galera que está lá acampada, vá lá antes de fazer a doação. Cola lá, fala com a galera que está ali perto da grade, faz um contato, sinta firmeza. Pergunta o que estão precisando. E leve a doação pra alguém específico que você conheceu.

As vezes também, a gente pode dar ajuda que não é financeira. Por exemplo, eu fiquei imaginando as crianças lá o dia inteiro numa situação maluca que está aquilo lá, com dezenas de barracas e a polícia, todas as tretas possíveis que podem acontecer nesse ambiente e as crianças estão lá no meio. Alguém que tenha experiência com crianças, toca instrumento, tem uma banda, tem um projetor, vai lá passar um filme. Cola lá e vê, tenta entender como que as pessoas estão vivendo lá e pensa na melhor maneira que você pode ajudar. As vezes não precisa ser financeiramente.

 

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