Entrevista com o skatista, snowboarder e executivo Felipe Motta

Felipe Motta é a humildade em pessoa. Aliado à competência, não é a toa que comanda o grupo GSM (Element, Billabong, RVCA) em toda América Latina no cargo de vice-presidente. Mesma posição que ocupou na Quiksilver até julho de 2013. Responsabilidades assumidas ainda jovem, antes dos 40 anos de idade.

Desde o final dos anos 90 acompanhei sua respeitável trajetória como snowboarder, mas foi em 2010, quando ele realizou a primeira edição do “Wild in the Streets” no Brasil, que me identifiquei e virei extremamente fã de sua pessoa. Em cima do skate e com o megafone na mão, ele conduziu e liderou centenas de skatistas da avenida Paulista até a Catedral da Sé. Foi animal! E inspirador.

Atualmente ele vive na Califórnia, onde fica a base da Billabong. Mas vem constantemente ao Brasil, único país com subsidiaria do grupo. Numa dessas passagens, me recebeu no prédio em São Paulo com a atenção de sempre. Fazia anos que eu queria entrevistá-lo e ele sentou comigo por alguns minutos de sua ocupada agenda.
Eu sempre quis saber das suas raízes com o skate e como foi que ele começou a trabalhar na indústria. Mas queria também saber a opinião sobre skate nas Olimpíadas, porque acredito que ele é a pessoa mais adequada, com mais autoridade para discutir esse assunto no país.

Felipe Motta, o skatista que vendia mel na feira, se tornou um dos maiores nomes do snowboard brasileiro e atualmente dirige Element, Billabong e RVCA na América Latina. (foto: Sidney Arakaki)
Felipe Motta, o skatista que vendia mel na feira, se tornou um dos maiores nomes do snowboard brasileiro e atualmente dirige Element, Billabong e RVCA na América Latina. (foto: Sidney Arakaki) (foto: Sidney Arakaki)

Resume sua história com o skate e o snowboard?
Começou, na verdade, com o skate. Eu cresci aqui em São Paulo, sempre morei ali perto da Santa Cecília. Skate era uma coisa fácil, eu estava ali próximo da Faap, vários lugares onde o pessoal andava de skate. Na época, no meu prédio, tinha uma galera que andava de skate. Tinha um coreano que morava no meu prédio, que era um pouco mais velho. Ele andava de skate e a gente começou a andar com ele, eu e meus irmãos. Daí depois eu comecei a sair pra rua. É que eu era muito novo no começo. Então comecei a andar na rua, conheci o (Masterson) Magrão, e o Galo ali daquela mesma região. Ia andar na Faap. Isso faz muito tempo, nem lembro que ano era. 88, 89, 90, assim. Ainda podia andar na Faap. Aí foi bem quando deu a virada do old school pro new school. Diminuiu o shape, as rodas, aumentou a calça, toda aquela coisa. E miou a cena do skate no Brasil. Nessa época foi a época que eu mais pilhei. Não de performance de skate, mas de idade eu sou mais ou menos dessa mesma geração do Dirty Money, daquela época do começo da Drop (Dead). Todos esses caras eram os caras que eram meus ídolos. Então, (Robson) Reco, (Fabio Cristiano) Chupeta, (Nilton Neves) Urina, (Marcio) Tarobinha, esses eram os caras da época. Biano (Bianchin), o próprio Alê Vianna, todo mundo ali naquela época. E aí, eu fui fazer intercâmbio nos EUA. Na época, além de skate eu tinha andado e competido de BMX junto com skate. E aí eu estava pensando em ir pra Califórnia, porque lá tinha tudo. Tinha skate, BMX. Só que eu acabei indo pra Vermont. Eu não escolhia pra onde ia, fui escolhido. Daí eu fui pra Vermont, que era totalmente oposto da Califórnia, e chegando lá eu fiquei amigo dos skatistas da escola. E os caras falaram, “no inverno a gente anda de snowboard”. Eu falei, vamos andar. Essa foi minha introdução ao snow. Eu pirei, porque era meio que o skate, só que bem mais fácil. É preso (no pé), então dá pra dar as manobras do vertical de grab, tal. Era muito mais fácil, porque a prancha estava presa. E foi bem quando o snow estava se aproximando do skate. Eles estavam começando a andar na rua, começando a andar em corrimão, começando a fazer tudo isso. Eu estava próximo do snow e o snow estava cada vez mais próximo do skate lá fora. Então, pra mim era tipo, legal, gostei da brincadeira, vamos fazer isso. E aí eu pirei, esse contato com o snow foi legal, eu fiquei um ano lá e voltei pra cá. Na verdade, quando eu voltei prá cá, como não dava pra andar de snow eu pirei mais ainda no skate. Porque lá, com tudo isso, antes de ir eu já tinha essa coisa de conhecer a cena e andar. E quando fui pra lá, tive acesso, porque a internet ainda não era tão forte, em 92. Então eu tive acesso a muito mais revistas, mais vídeos, muito mais informações. Não só de snow, mas de skate. Aí eu pilhei demais no skate. Quando eu voltei pra cá foi a pior época do skate aqui no Brasil, porque foi bem antes de ter qualquer coisa. Porque já tinha morrido o vertical, morrido o skatão, estava no skatinho. E ninguém queria saber, fora a galera que andava, ninguém queria saber de skate. Foi quando saiu a 100%, a Tribo já existia. Eu lembro até que a Tribo fazia matérias com campeonatos de snow. E eu lembro que a primeira edição da 100% foi mais ou menos nessa época. Mas era só hobby, só andava de skate por hobby. E o snow ficou como sonho, porque não tinha chance de andar. Mas todos os dias eu pensava nisso e achava que por ser mais inatingível eu foquei mais nisso. Eu falei, “vou fazer fazer acontecer”. Aí eu fiquei tentando descobrir como ia fazer isso e competição acabou sendo um caminho. Não muito conectado, mas eu falei, “como vou fazer? Como vou fazer pra ir pra lá?”. Eu acabei ficando sabendo que tinha um campeonato. E daí, uma coisa já ajuda com a outra. Eu fui, comecei a me envolver com campeonatos de snow. Também comecei a ir bem. Comecei a ter apoio, não era patrocínio. Ter produtos. Então eu entrei numas marcas boas, na Oakley, na Reef. Era só apoio, mas eram marcas grandes que tinham expressão lá fora. E aí, através desse apoio aqui eu conectei com as marcas lá. Eu continuei nesse caminho de competição.
A competição financiou a minha participação no snow. E aí eu comecei a me envolver mais com isso. Por causa das marcas internacionais eu comecei a ter contato lá fora. Então, quando eu ia pra fora, por exemplo na Oakley, ela dava suporte lá, me conectava com os atletas de lá. E aí, dessa maneira, eu acabei sendo exposto à industria. No meu caso, não foi tanto a indústria do skate, porque eu não tinha patrocínio de skate. Eu era skatista, mas mais um hobby. E aí, essas marcas que me patrocinavam eram marcas que faziam de tudo, inclusive snow, mas que aqui estavam na mão mais das marcas de surf. Então, meio que conhecia esse mercado e eu falei, mercado interessante. Porque na época eu tinha feito engenharia, trabalhava num banco. E é bem mais legal trabalhar com essas coisas do que trabalhar num banco. Aí ficou a pulga atrás da orelha e eu fiquei com isso na cabeça. Então o snow continuou, o skate continuou, e através dos patrocínios eu fui me aproximando do lado do negócio mesmo. E aí foi uma coisa gradual.

Felipe Motta, vice-presidente do Grupo GSM na América Latina.  (foto: Sidney Arakaki)
Felipe Motta, vice-presidente do Grupo GSM na América Latina. (foto: Sidney Arakaki)

E como foi a transição do hobby pra indústria?
De skate era um hobby, eu não tinha contatos. O meu maior contato era, ia na pista da ZN toda hora e aí eu fiquei amigo do Reco, do (José Eduardo) Anjinho, desses caras. Era o maior contato que eu tinha. Eu não tinha tanta entrada na indústria, não conhecia a galera. Não conhecia o Paulinho “Rude”, o Dalton “Pig” que estava tentando fazer alguma coisa. Conhecia do skate, mas não do business. E aí, através do snow não. Como eu fui patrocinado, nessa mesma época, eu sempre quis fazer um monte de coisas.
Quando eu era bem moleque ia pra São Carlos, que minha família é do interior de São Paulo, eu comprava mel a granel e revendia fracionado em vidros pequenos na feira aqui. Andava de BMX e escrevia pras marcas lá nos EUA que eu queria distribuir aqui. Então eu sempre estava envolvido com isso. Quando eu entrei no snow, entrei nessas marcas, eu vi que era uma industria bacana. E aí eu comecei a pesquisar mais sobre isso, mas não encontrei uma maneira de começar trabalhar. Mas eu comecei a me aproximar. Eu conheci o Alfio Lagnado, que era o dono das marcas que eu tinha apoio no Brasil, a Oakley, Reef, Redsand, Nixon, um monte de marcas que eram da Surfco na época. Eu conhecia a Surfco, o Alfio, aí eu cheguei nele e falei que fiz engenharia, trabalhava num banco, andava de snow e queria trabalhar com isso. Eu sempre quis ser o dono de um negócio. Mas eu era muito novo, não tinha dinheiro, não tinha como. Então a gente sempre falava, mas nunca rolou uma aproximação.
Aí, quando eu tinha 23 anos, estava trabalhando no banco e andando de snow paralelo. No snow eu tinha patrocínio e competia.  Apareceu um convite para fazer parte da equipe olímpica brasileira de snow. Daí eu decidi, “eu não acho que vou ser campeão olímpico, não acho que vou ser o Shaun White”, pensei comigo mesmo. Mas eu falei, quando eu vou ter a chance de fazer parte da equipe olímpica, disputar copa do mundo de halfpipe? Eu vou fazer! Os caras falaram, “vai depois, trabalha aqui, com 40 anos você vai se aposentar, vai ter dinheiro”. Mas eu falei, eu não vou ter o gás que tenho agora, vontade de andar, eu quero tentar. Eu fiz isso, larguei tudo e fui andar de snow. E aí eu continuei todos esses contatos que eu tô falando. Aí foi quando o Alfio teve o convite lá da Quiksilver para abrir a Quiksilver aqui no Brasil. Ele falou, “vou ter que abrir outra empresa, preciso de alguém pra cuidar e pensei em você”. Ele sabia que eu tinha feito engenharia, trabalhava num banco, uma educação boa, lógica e matemática boa, que eu andava de snow, gostava de skate. Eu comentava na ESPN todos os X Games de snow, de skate, vários esportes que eu entendia um pouco. Wakeboard eu entendia um pouco. Várias coisas eu fazia e fui me envolvendo. E o Alfio sabia que se é um cara que tem uma educação, tem o envolvimento com o esporte, tem esse equilíbrio. O ideal é ter o equilíbrio. Nem ser só skatista, nem só business. O ideal é alguém que possa fazer um pouco dos dois. Isso que falta, porque a gente costuma ver muitos caras, super executivos, empresários, mas nunca pisaram num skate, nunca surfaram. E o cara super surfista, skatista, mas também não consegue pegar aquele ritmo de escritório, de dia a dia. Então acho que ele viu que eu tinha o potencial de ter os dois. Foi aí que eu entrei. A transição ocorreu quando eu comecei a trabalhar na Quiksilver. Mas antes disso, eu fiz várias coisas. Eu larguei para andar de snow, comecei a fazer campeonatos, morava seis meses no Canadá e seis meses no Chile. Comecei a ficar fora do Brasil, melhoraram os contatos, tinha contato com todo mundo. Nessa época eu já era atleta da Volcom, eu já falava com o team manager lá dos EUA. Eu não era importante pra ele, mas ele me dava um ‘boi’ porque ele sabia que eu era esforçado. No verão tem um lugar que todo mundo vai e ele me colocava lá. Era uma casa que era eu e os melhores do mundo da Volcom, que era uma super equipe. Eu ficava lá com os caras bons e via eles desenvolvendo produtos de snow, trabalhando com os caras da empresa. E chegava o Shaun White lá com 13 anos. A mãe dele pedia pra cuidar dele, era tipo baba. Aí fui aumentando contatos, fui conhecendo um pouco mais a indústria e nessas, eu também dei aulas de snow, mil coisas. Não foi tão direto o caminho, então fui me virando. Numa época eu trabalhei num site de venda de produtos, que eram equipamentos de snow, de esqui, bicicletas, nem tinha muito skate, mas era geral. Era tipo um e-commerce já próximo ao mercado. O trabalho de verdade mesmo foi a Quiksilver, em 2004.
Eu já sabia que ia voltar para o Brasil. Eu sabia que não seria nada no snow, então só tentei por dois anos. Eu tinha uma grana economizada. Eu não era profissional, não ganhava dinheiro, eu gastava. Eu falei, tenho uma grana economizada, vou investir e depois eu vejo que faço. E já estava chegando essa época de ver o que eu ia fazer. E quando apareceu a Quikslver, eu larguei tudo lá e mudei pro Brasil. Voltei pro Brasil e comecei a trabalhar na Quiksilver direto. Daí eu fiquei direto de 2004 a 2009 como gerente geral da Quiksilver no Brasil. A gente montou a empresa, estruturou tudo. A Quiksilver já existia aqui como licença, com brasileiros que tinham a marca e estavam fazendo o trabalho. E dessa vez foi quando a gente veio com a matriz. Estabeleci a marca, fizemos o posicionamento. Veio tudo da Surfco, tinha um ‘know how’ grande. Além disso a gente lançou a DC Shoes. Começou devagar, aconteceu, construiu uma equipe. Fizemos o trabalho em todos os sentidos, produtos, comercial, marketing. Foi uma experiência bem bacana. Em 2009 eu saí porque eu queria montar minha empresa. Na verdade, eu queria ter a RVCA, mas a RVCA estava sendo vendida para a Billabong e não rolou. Aí a empresa foi a Lotus Dist, que trouxe a Emerica, Ipath e depois Altamont. E no segundo semestre de 2011 a Quiksilver veio falar comigo de novo. Como eu tinha feito um bom trabalho, conhecia todo mundo lá, tenho um relacionamento bom lá. Eles me chamaram de volta pra ser o que meu chefe era. Antes eu cuidava do Brasil, em 2011 eles me chamaram pra cuidar da América Latina. Aí eu falei que só iria se eles deixassem eu continuar com a Lotus, que era o meu sonho, essa história de empresa. Aí eles deixaram. Nessa época eu tocava a Lotus paralelo de noite e de dia trabalhava na Quiksilver lá nos EUA. Continuei com a Lotus, continuei com os eventos, e só fechei ela em dezembro de 2013. Que foi até antes de eu ser desligado da Quiksilver. Porque a Quiksilver entrou em crise lá fora e eles reestruturaram tudo. Eu fui desligado em julho de 2013. No início do ano eu tinha decidido que ia fechar a Lotus no final do ano. No meio do ano eu fui desligado e falei, e agora, o que eu faço? Até reconsiderei, mas eu vi que o mercado estava ficando complicado pra empresas pequenas. Eu achei que o dólar iria subir, só tinha produtos importados. Governo brasileiro,  anti-dumping, mil restrições. O Governo claramente não quer que você só importe. Estava tudo indo contra, eu falei, eu não vou ganhar essa batalha. E decidi fechar. Quando eu saí da Quiksilver eu considerei algumas outras opções, mas eu falei, não tem nada que vá fazer sentido, e resolvi fechar mesmo. Continuei procurando emprego lá, até que apareceu oportunidade aqui na GSM. A GSM estava num momento totalmente diferente da Quiksilver no Brasil. Porque no Brasil a Quiksilver foi um sucesso, então isso ajudou a construir minha credibilidade. E a GSM estava precisando de uma virada. Então eles me chamaram pro mesmo cargo que eu tinha na Quiksilver. E desde então, comecei aqui em abril de 2014, que estou engajado nessa virada de jogo aqui na GSM. Está sendo bem intenso. E pra mim é uma experiência nova, porque uma coisa é você começar algo do zero, construir algo. Que também é difícil. Mas eu acho que mudar algo que já existe, ainda mais quando é grande, é mais difícil ainda, porque tudo tem seus problemas mas tem suas qualidades. Então quando não tem nada, você faz, começa, se não estiver bom, depois melhora. Mas quando você vai mudar alguma coisa que já existe, você tem que tomar cuidado. Porque as vezes, até o que você acha que não está bom, na verdade pode estar bom. Se mexer ali vai piorar. Tem que saber muito bem aonde vai mexer. Está sendo uma experiência nova. Ainda não está nem perto de terminar. A gente já está há um ano trabalhando, mas ainda tem muito pela frente. Acho que a gente vê alguma coisa de melhora, mas a gente não vê resultados melhores ainda. Por causa da economia, por causa de todo o momento que o país está passando, em linhas gerais. Eu não vejo a indústria mal, eu vejo o país mesmo com dificuldades. Eu acho que não é uma questão do skate ou do nosso mercado, essa parte está até boa. Mas a economia mesmo que está mais lenta. Então está bem difícil. E quando você muda tanto e lá fora não está respondendo… Mas tem os dois lados da moeda também. Por outro lado, a gente perdeu tanto do que a gente tinha, que pra recuperar um pouco não é tão difícil. Não que não seja difícil, tem o histórico. Não é que você nunca fez, você já fez e agora quer voltar a fazer. Então é um pouco mais fácil.

Do jeito que você está falando, fecham vários ciclos. Com a Lotus você queria trazer a RVCA, aí você foi pra Emerica e patrocinava o Gabriel Fortunato. Eu lembro uma vez que te perguntei porque não tinha um profissional na Emerica e você me disse que queria ter um Klaus na marca. O Xapa comentava a Street League na ESPN com você. Agora vocês estão aqui todos juntos na Element. E a RVCA na GSM.
O Xapa é do Sumaré. Ali da Santa Cecília eu não estou longe do Sumaré, sempre fiquei próximo ali desde o movimento de downhill da Ladeira da Morte, milianos atrás. Vi ele crescendo, foi uma pessoa ali bem próxima. É engraçado isso que você tá falando, porque é verdade mesmo. Acho que isso acontece com todo mundo. Se você ver, eu andava de skate, o skate me levou pro snow, o snow me levou pra fora, o fora me levou pro patrocínio, apoio, o apoio me levou pra conhecer a marca, conhecer a indústria. Aí eu me interessei e entrei na indústria. Na Quiksilver eu fiz uma história, cresci o olho de ter a minha marca e fui tentar a RVCA, não deu certo. Da Emerica eu fiz um trabalho. Não só o Gabriel que hoje está aqui e é legal, mas eu estive com o Mailton (dos Santos), com o Guega (Cervone). Teve uma série de coisas, duas edições do Wild in the Streets. Apoiamos o vídeo Beats do (Alexandre) Cotinz. A gente fazia o que dava. Eu vendia muito pouco. Não tinha funcionários porque não tinha dinheiro pra pagar.

Durante o Wild in the Streets em 2011, Motta caiu durante o percurso, fez um corte no rosto, mas continuou liderando o evento até o final. (foto: Sidney Arakaki)
Durante o “Wild in the Streets”  em 2011, Motta caiu durante o percurso, fez um corte no rosto, mas continuou liderando o evento até o final. (foto: Sidney Arakaki)

Então eu fazia tudo. Era uma empresa, mas era uma empresa bem amadora na verdade. Bem caseira. Que no mundo do skate é normal, mas nessa indústria eu estava competindo com multinacionais, outro nível. De uma maneira ou de outra eu estava competindo com a DC. E não tem como comparar a DC com o que eu tinha na Lotus. Eu sabia bastante coisas porque eu tinha trabalhado lá, mas eu não tinha os braços que a DC tinha. Foi uma coisa limitada, mas eu tentei fazer o melhor. E é engraçado, esse ciclo que você está falando é meio que isso. O mundo da voltas. Agora de repente apareceu a GSM. A Element é uma marca que eu sempre admirei, desde o trabalho que o (Rogério) Mancha colaborou muito na construção da equipe. Ele trouxe todas as pessoas que estão envolvidas na marca, a equipe em si. Klaus, o próprio Gabriel veio por ele, até o Felipe Motta, que é outro cara que eu já conhecia desde a Lotus. Por mil vezes eu ouvia falar dele, a gente estava meio que no mesmo universo, mas ele no Rio e eu em São Paulo. Acabei conhecendo, de repente tô trabalhando com ele. O Klaus é outro. Não lembro como conversei com ele a primeira vez. Acho que foi quando a gente estava trazendo a DC. A gente fez uma proposta, na época não lembro se era adidas ou outra coisa que ele tinha. Ele optou por não ficar com a gente. Mas ele sempre gostou de mim, eu sempre falava algum dia a gente vai fazer alguma coisa juntos. E desde que ele apareceu, eu sempre achei o Klaus um perfil diferenciado, ele tinha uma visão do skate diferente. As manobras que ele queria fazer chamavam atenção na época, ele era bem novo. E agora, de repente, a gente está aqui. É engraçado mesmo.

É uma satisfação. O Gabriel agora lançou a parte dele pela Element.
O Gabriel era muito pequeno.

A Emerica foi o primeiro patrocinador dele? Ou já estava na Element?
Boa pergunta. Foi na mesma época. Se não era, ele ia entrar. Porque foi o Mancha que me falou do Gabriel. Eu estava alinhado com o Mancha. Com certeza ele já estava alinhado para entrar na Element. Se ele entrou na Element antes da Emerica foi uma questão de timing. Eu diria que ele entrou nas duas ao mesmo tempo. Só que ele saiu da Emerica depois de pouco tempo, acho que ele entrou na Nike. E na Element ele continuou. Muito legal estar com ele, conheço o irmão dele super bem. É legal ver o desenvolvimento dele.

O outro pessoal do time você tinha contato?
Tinha pouco contato. O Xapa eu comentei, o Klaus eu já tinha, o Murilo (Romão) eu via sempre na Paulista andando por causa do Cotinz. O Glauber (Marques) eu tinha conhecido menos mas sempre gostei dele. Na época da Emerica eu sempre olhava pro Glauber, porque ele é atirado, saia bastante imagens de corrimão, essas coisas dele. Que é uma coisa que eu queria. O que me chamava atenção no Glauber era essa atitude. Como eu venho de um negócio mais aberto, e aqui no Brasil é mais em cima das bordas, dos campeonatos, eu achava um pouco limitado. Eu achava que tinha que se puxar mais, como o Biano nos anos 90 teve um papel importante nesse negócio de se jogar. Como outros, o Urina. Eu achava que faltava um pouco disso e o Glauber eu achava legal por causa disso. O Shigeto é um cara que conheço há milianos porque temos mil amigos em comum. Então entrar aqui na Element foi bem tranquilo em relação a equipe. Cheguei com um monte de amigos.
Falando de skate, eu sempre fui fã de skate overall. John Cardiel é Deus. Mais Mark Gonzales, Tony Trujillo, Dan Drehobl. Não que eu não goste da Crailtap, dos caras lá todos de uma coisa mais técnica. É uma questão de gosto, mas aqui no Brasil, na minha opinião, a parte do skate técnico se desenvolveu muito. Eu gosto disso, mas gosto de uma parte mais overall. Eu sempre tive esse tipo de olhar e isso acaba influenciando.
Um cara que eu sempre gostei muito, muito, muito, nem é tão overall assim, mas eu sempre admirei pelo skate e pelo negócio, é o Jamie Thomas. Porque o cara sempre foi skatista e fez as paradas animal, do jeito dele, garra. Não necessariamente o mais talentoso do mundo, nem sempre o mais bonito. Eu respeito muito. Porque eu acho o cara muito casca-grossa, muito persistente. Aquela coisa, vai que você vai fazer. Ele sempre me motivou. Eu sempre gostei desses caras tipo Jamie Thomas e outros que eu via serem caras esforçados. Morando aqui no Brasil eu sempre fiquei com isso na cabeça. Eu lembro quando o Bob (Burnquist) foi pra lá, o  (Rodrigo) TX também fez a coisa acontecer lá, eu lembro quando o Digo (Menezes) ganhou aquele mundial, o Tarobinha chegou a ir lá uma época e não ficou. Eu sempre admirei essa galera que faz a coisa acontecer e esse fato da gente não ter nascido da Califórnia. Tanto o Jamie Thomas quanto a gente. Eu lembro das histórias que o Jamie Thomas dormia na rua, no sofá de alguém. Porque estava tentando se encaixar. Eu sempre admirei esse negócio de ter um sonho grande e ir atrás dele. Pode demorar, mas chega de uma maneira ou de outra. Isso é o que eu acho mais legal. Que vem do skate, você olha e imagina como vai dar um flip. Depois, você vai vendo, chega uma hora você tá dando flip. Depois você vai dar flip na escada. O que eu acho legal, que vem do skate, na minha cabeça, é isso. Essa coisa, ter um sonho grande, persistir e entender que você quebra ele em etapas, que você consegue ir realizando. E da muita satisfação quando você fala, tipo eu, sou skatista do interior, hoje eu estou aqui em São Paulo fazendo acontecer. Eu queria andar de snow, hoje sou patrocinado, trabalhando nesse mercado, tô comandando a Quiksilver, comandando a Billabong. É satisfatório, não por causa do dinheiro. Não que seja ruim, isso é mais troféu. A jornada é o principal. Eu curto aprender, coisas. E se você tem um sonho que realiza, é satisfatório.

O snowboard e o skate você tinha objetivo de se profissionalizar?
No snowboard sim. No skate, eu nunca tive o objetivo não porque eu não quisesse. Eu nunca me empenhei pra isso, nunca senti que tinha condição. Porque no skate o nível aqui no Brasil era muito alto. No snow era muito mais fácil. Não da pra comparar eu com o Bob. O Bob competiu com os melhores do mundo e ganhou. Eu não, competi com os melhores do mundo mas perdi. Eu era bom, mas não tão bom. Não tinha patrocínio lá fora. Então esse negócio de ir lá e fazer acontecer, eu nunca senti que tinha no skate. O skate aqui era muito desenvolvido. Eu olhava pros caras e olhava pra mim, não tinha condições. Acho que talvez por ser mais acessível eu não coloquei tanto foco no skate, porque o snow era fácil pra mim. Porque eu sempre estudei muito. Eu fiz faculdade boa, trabalhei, então sempre tive cobrança de estudar, trabalhar, fazer as coisas fora do esporte. No snow não interferia porque andava de snow quando eu não estava aqui. No skate tinha que trocar um pelo outro, eu não tinha o dia todo ou a tarde livre pra ir andar de skate. Eu tinha que trabalhar e andar de skate um pouquinho de noite, sempre foi mais hobby. E o snow não, eu ia lá e não tinha outra coisa pra fazer, só andar. É muito louco isso, mas a dificuldade talvez tenha me dado mais vontade de ir atrás e a distância talvez tenha me dado a chance de me focar mais nisso. Não é que eu me desenvolvi muito mais no snow do que no skate, mas é que o snow foi mais fácil porque não tem neve no Brasil, essas questões.

Felipe Motta na sede da GSM no Brasil (foto: Sidney Arakaki)
Felipe Motta na sede da GSM no Brasil (foto: Sidney Arakaki)

A cultura do skate e do snowboard são bem parecidas. Você acompanhou desde o começo como o snowboard entrou nas Olimpíadas. Como era antes e depois das Olimpíadas?
Cada esporte é um, é difícil de comparar, mas uma coisa que eu sempre gostei, é desse conceito. Eu amo andar de skate, amo andar de snow. Mas mais que tudo, eu amo fazer esporte, alguma atividade física. Desse tipo de esporte. Eu gosto de esportes de prancha. Esse conceito de esportes de prancha é uma coisa que eu gostei muito. Eu achava muito legal. Eu falava, porque eu tenho que me limitar?, na verdade é um pensamento igual o da RVCA. Porque tem que ser só skate? Ou até uma Volcom, que veio antes da RVCA. Não tem coisas similares, os skatistas e os snowboarders? Se eles se sentassem num bar para tomar cerveja eles iam achar um que o outro é um idiota? Acho que não, acho que tem coisas em comum. O som é parecido, os gostos, tem várias similaridades. E eu também pensava, beleza, eu gosto de andar de skate, então isso quer dizer que quando eu for pra praia, ou pro interior, no meio do mato, eu não vou fazer nada? Então, essa coisa de ser uma variação, de versatilidade, sempre me atraiu. Por isso que eu sempre gostei mais de quem anda de skate em todos os lugares.
Esse movimento de esportes de prancha eu sempre amei. A Transworld tinha uma revista chamada Warp nos anos 90, que pelo que me lembro foi uma das primeiras com essa história surf, skate, snow. No Brasil saiu a Observer, que eu era super amigo. Era outro lugar que eu colaborava. Eu lembro que fiz a resenha do “The End”, da Birdhouse, quando saiu. Vídeos de snow, vídeos de skate. Eu sempre gostei desse negócio de juntar tudo, porque eu achei que era uma ideia legal. Porque eu achei que não tinha nenhuma barreira, o skate não estava longe do snow, ou até em certo sentido, do surf. Que é um pouco mais longe mas você vê essa evolução recente do surf. Você vê a parte de manobras se aproximando cada vez mais do skate e do snow. Aos meus olhos está ficando cada vez mais legal. Porque o surf é o que eu fiquei um pouco mais longe, não achava tão próximo. Mas agora, com esse surf moderno eu acho cada vez mais legal. Então isso foi uma coisa boa.
Aí a gente chega nas Olimpíadas. O snow foi o primeiro que foi para as Olimpíadas. E foi polêmico, em 98. Na época, as modalidades escolhidas foram só o halfpipe e o slalom, que é a corrida. O cara que era o melhor de todos, um norueguês chamado Terje Haakonsen, decidiu boicotar as Olimpíadas. É como seria se o cara mais top, quem quer se seja, que é o cara que vai ganhar, fala que não vai participar. Então o próprio evento fica meio assim, vale ou não vale?

Hoje seria um Shaun White.
É, certeza. Seria tipo um Shaun White, um cara que você sabe que vai ganhar a medalha de ouro e o cara fala que não vai. Então a partir do momento que o melhor fala que não vai, o negócio quase que não conta. Tira credibilidade. O começo do snow foi bem tumultuado. O cara falou que o comitê olímpico era uma merda, que o snow seria administrado por esquiadores. E é mesmo. Mas nessa de entrar nas Olimpíadas, meio que abriu as pernas, abriu mão de coisas importantes e ficou na mão dos esquiadores, que não sabiam nada. O halfpipe ficou uma merda, porque os caras (organizadores) não andavam de snow. Então foram coisas complicadas. Junto com isso vieram um monte de coisas boas. Eu acho que são coisas que vale para todo mundo, que é a mesma discussão dos X Games. Quando o skate entrou nos X Games foi a mesma coisa. “O negócio da ESPN, será que o skate faz sentido aí?” Eu lembro que os caras fizeram uma pista gigantesca, porque era pra roller, BMX, skate. Os skates na época eram pequenininhos e não conseguiam andar direito. Tinha um corrimão grande lá e ficava todo mundo lá tentando andar. Foi aquela coisa, isso não estava retratando o skate da melhor maneira, mas deu uma exposição. Eu não lembro da ordem dos fatores, mas junto com isso veio o videogame do Tony Hawk. Então essas coisas ajudaram a dar uma exposição legal. Acho que com certeza alimentou esse novo momento do skate que veio em seguida. Tudo tem o lado bom e o lado ruim. As Olimpíadas eu acho que é a mesma coisa. O que eu vi no snow foi isso, tem o lado ruim que eu falei. E tem o lado bom, porque agora o pai sabe que se o filho quer andar de snow não é mais tão ruim, ele pensa, “se tem nas Olimpíadas, deve ser um esporte”, tem esse tipo de coisas. A federação aqui do Brasil começou a ganhar dinheiro porque o snow entrou nas Olimpíadas. O Governo investe nisso. O cara me ligava e falava que ia me pagar passagem. Nunca tinham me pagado passagem. Até eu, que não sou ninguém, até o Brasil que nem tem neve foi beneficiado por um negócio desses. Tem vários movimentos.
Como no skate, no snow tem vídeos, revistas, uma cena independente que quer que se foda as Olimpíadas. Isso eu acho bom, porque tem uma coisa andando aqui e outra ali. É como o skate hoje em dia. Tem a Street League e a galera que nunca nem passou perto. Acho que abre um pouco o leque. “Pô, mas vai tirar a alma do skate, não vai mais ser o que era”. É diferente, mas não vai mudar. Você vai deixar de andar de skate porque o skate vai para as Olimpíadas? Ninguém vai. Ele abre um pouco para quem é purista. Eu acho que é complicado porque, realmente, o skate vai para um lado que nem todo mundo concorde. Até eu não concordo tanto. Acho que a exposição em geral é boa, na escala. Quando o negócio é mais popular, tem mais consumo, mais dinheiro, mais investimento, e vão ter os caras fazendo coisas legais. Então a coisa fica mais legal ainda. No snow, o que eu vi, em linhas gerais, foi positivo. Tem esse efeito, mas tudo aumenta. Aumenta exposição, número de praticante, relevância do esporte, a TV da mais abertura. “Vai chamar o John Cardiel. Quem é Cardiel? Foda-se. Vai chamar o Shaun White. Porque? Ele é medalha de ouro duas vezes. Então vem”. Abre portas, não tem jeito. Então acho que em linhas gerais é positivo. Agora, perde um pouco da essência. Mas é uma questão de gosto. O meu gosto, eu não me importo tanto com competição. Eu não vejo tanto como esportes competitivos porque os critérios são subjetivos. Como você vai falar que um é melhor que o outro? Na real, geralmente quando eu assisto um campeonato, nem sempre eu gosto do cara que ganhou. As vezes eu gosto mais do cara que não ganhou. Acho que faz parte. Isso ajuda com que toda população entenda o campeonato. Então isso é importante também, acho que tem o seu papel. E quem quer continuar com isso, vai continuar, não se perde nada. O skate, agora que já tem X Games, já tem Street League, já tem Red Bull, já tem Monster, sei lá o que, a Olimpíada só vai ser mais uma coisa, acho, que não vai mudar o mundo. Mas vai ter esse aspecto de campeonateiros, que aqui no Brasil sempre foi muito forte. A gente não tinha dinheiro, vídeo, patrocínio pro cara viver como hoje alguns podem.
O Pontus Alv, um cara que faz um negócio daquele, quer que se foda que o skate está nas Olimpíadas. Ele não vai deixar de fazer os negócios. Aí a galera vai pra esse cara, “olha que legal, o cara não está nem aí pras Olimpíadas, o cara tá aqui fazendo o negócio maluco”. Tem mercado pra tudo, e talvez esse cara ganhe mais relevância ainda porque é uma alternativa àquela coisa pasteurizada que é um X Games, uma Olimpíada, que é até uma Street League. É uma evolução. Leva o skate para outro patamar. Mas para o aspecto purista do skate é negativo. Mas para o skate como um todo eu acho positivo. Hoje em dia não tem mais pistas do que tinha antes? Porque tem mais praticantes, porque as prefeituras se conscientizaram que é uma maneira boa de se comunicar com a população jovem. E se lá nos anos 90 a gente falasse, foda-se os X Games, vamos ficar aqui com as rodas pequenas e as calças grandes que ninguém entende e é isso que a gente quer, com certeza não ia ter tantas pistas. “Pô, mas melhor, teria menos gente andando”. Pode ser, dependendo do ponto de vista. Mas ia ter menos pistas, menos marcas, menos equipamentos, menos lojas, menos tudo, ia ser um submundo igual antes. Eu acho que crescendo você continua tendo a opção de ter uma subcultura, um submundo, que é uma parte legal, única, mais autêntica. Que nem você, não quer patrocínio no blog porque quer falar o que quer. Legal, tem gente que é assim no skate. Não limita isso, mas dá mais escala para essa pessoa que tá fazendo alternativo ter uma plataforma muito maior pra mostrar o trabalho dela. Porque o Pontus Alv, se não tivesse os X Games, ia estar falando com meia dúzia de nêgo na Suécia, mais dois na Europa, e nem ia chegar no Brasil talvez. Tô exagerando, mas enfim, eu acho que a plataforma aumentando, da mais capacidade pra todo mundo.

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

× Qual a sua dúvida?