O colecionador de revistas e skates Alexandre Fumaça

Alexandre Fumaça com Eugênio Amaral (via Instagram @geninhoamaral)

O Geninho Amaral postou na sua conta do Instagram uma foto com o Alexandre Fumaça com uma raridade preciosa, o famoso pro-model do Thronn pela Lifestyle. Fumaça é um dos maiores colecionadores de revistas e peças de skate do Brasil e, sabe-se lá como, conseguiu uma peça lacrada! Nem o próprio Thronn, hoje morando na Califórnia, tem um shape guardado.

Há pouco mais de um ano fiz uma entrevista com o Fumaça para o site da ESPN (originalmente postado AQUI). Mas republico de novo aqui pra manter arquivado.

Quem circula pela cena do skate paulistano desde os anos 80 com certeza já trombou o Alexandre “Fumaça” Ramos.
Alexandre é um dos skatistas mais carismático e gente boa da cidade. Ele já trabalhou em skateshops, costuma participar das produções de eventos de skate, é modelo, ator (Participou do filme Ensaio Sobre a Cegueira dirigido for Felipe Meireles) e também fazia participações especiais no extinto “Hermes e Renato” da MTV.
Fumaça é dono de uma cobiçada coleção de revistas de skate. Seu acervo vai das publicações brasileiras da década de 80 até edições históricas da Thrasher e Transworld. São aproximadamente 80 revistas raras, que ele guarda com carinho e diz recusar qualquer oferta de venda. O cara é tão considerado pela galera, que até ganha algumas revistas. Todo mundo sabe que estará em boas mãos.
Outra coleção preciosa de Fumaça são os autógrafos. As revistas e o livro “Onda Dura” são recheadas de dedicatórias.
Sempre que lendários skatistas estrangeiros vem ao Brasil Fumaça dá um jeito de encontrá-los para mostrar suas raridades. E na maioria das vezes os ídolos se assustam com as revistas de Fumaça, de tão antigas e bem conservadas, que nem eles se lembram.
Qual foi a primeira revista de skate que você comprou?
A primeira revista de skate que eu comprei na minha vida foi uma Yeah!, se eu não me engano, em fevereiro de 88. E a capa, me lembro muito bem que estava o Celso Not Dead e o Wilson “Neguinho” pulando uma fogueira. Uma coisa muito louca. Aqueles ollão, de pé inclinado. A coisa mais louca. Os dois num double ollie pulando uma fogueira. Me lembro muito bem. Matéria com Tony Hawk ganhando na Austrália, matador. Equipe Velô, coisa muito style essa revista.


Quando você se deu conta que tinha um valioso acervo de revistas?
Eu cheguei num campeonato de Guará em 2004. Cheguei com um chumaço de revistas, que eu me lembro que os caras pararam a sessão pra ver as revistas. Estava o Jorge Kuge, Índio, o próprio idealizador da pista, o Juninho. Eles pararam a sessão pra ver as revistas. Eu falei, isso aqui tem um valor que eu realmente não tinha tanta consciência. Claro que eu sempre guardei com o maior carinho, nunca deixei ninguém jogar fora. Minha mãe, minhas irmãs, várias brigas em casa. “Vai jogar fora.” Não! Deixa minhas revistas. Mas esse dia que eu estava no campeonato de Guará, eu reparei que tinha um valor pra eles, como pra mim. Que estava documentado a história de todo mundo do skate nacional. E eu guardo com o maior carinho mesmo. Minhas revistas são clássicas. Eu amo elas.


Já te ofereceram algum dinheiro pra comprar?
Não, mas mesmo que me oferecessem vai ser difícil sair das minhas mãos, porque não é um valor monetário. É um valor que pra mim é sentimental. O respeito que eu tenho aos amigos, aos skaters que vieram antes de mim.
Que está tudo registrado ali. Você vê matéria da galera que ia pra Califórnia. Bigo, Boca, Negão, Mureta na Califórnia. Nas matérias daqui vinha escrito a dificuldade que se tinha nos anos 80 pra você ter um campeonato. A luta da UBS, essas coisas todas. Tudo tá registrado ali.

Você tem um respeito grande por skatistas brasileiros. Seu livro Onda Dura é todo autografado.
Sim. O livro eu ganhei de um amigo, o Fabio Bolota, e ele tá bem que 85% já completo. Todos os nossos skaters, nossas pratas da casa assinaram ali. Ferrugem, Bob, Cesinha Surf tem duas fotos no livro, coisa mais louca do mundo. Chupeta. Uma assinatura que eu gosto muito mesmo é a do Ferrugem. Gosto pra caramba das palavras dele. Tem o Mad lá de Floripa, Lincoln Ueda, Cesinha Chaves também. Toda galera que é prata da casa que levantou o skate pros anos 80, bem no começo. Nos anos 90 também.

Tem alguma edição especial que você guarda com mais carinho?
Das nacionais, eu tenho a Overall especial Tony Hawk, que é um pôster. Você abre a revista todinha. Tem uma especial também, que eu gosto, uma Thrasher especial de dez anos com o Tony Hawk na capa. Clássico.
Um melon bem “hawkiano” mesmo. Uma outra que eu adoro é uma Transworld com entrevista do Natas Kaupas, quando ele estava no auge. De 86 se não me engano. Tem umas edições que eu guardo já a sete chaves mesmo. Eu adoro.

Como você comprava as revistas importadas antigamente?
Eu era um rato de Siciliano. Minha mãe me esculachava porque eu recebia um vale no dia 20 e esse vale, de 30% do salário, era uma revista. De 100 reais, você comprava uma revista de 30. Sua mãe não acreditava nisso. Ela falava, como você gasta 30 reais numa revista? E o arroz e o feijão? Mas é uma coisa que eu me empenhava. Ia na Siciliano e pedia pra guardar quando chegar. E uma coisa que eu reparava, é que uma revista americana vem uma data à frente. Eu comprava em outubro com a data de dezembro. Eu nunca entendia isso. As revistas nacionais, informação era ali. Não existia o clique, o Google, saber o que ocorreu num campeonatinho de Guará. O campeonato rolou em junho você vai saber o que aconteceu em setembro. Eram dois meses, bimestral a revista. Então a informação, tudo o que eu aprendia de skate veio de ler revistas. Lembro muito bem das matérias escritas pela Cecília Mãe, pelo Guto Jimenes. Eu gostava muito de pegar sábado e domingo depois do almoço, quando eu não ia andar de skate, passava a tarde olhando uma revista. Me engendrando no que aconteceu na Copa Itaú, no campeonato no sul lá em Novo Hamburgo. O Negão arregaçando nos 540. Os clássicos campeonatos de Vitória, que o Kid matava. Tio Liba com o bean plant de back. Então era de onde vinham as informações. E já as revistas americanas, eu tinha uma vizinha que o pai era meio português, meio americano, então eu chegava pra ele, alugava o tiozinho durante horas pra ele ler a entrevista do Gonzales, por exemplo. Ele leu pra mim inteirinha. Leu a entrevista do Natas Kaupas. Eu não tinha nenhuma base de inglês. Hoje eu ainda tenho um pouquinho, mas naqueles dias a base era bem pequena e era mais fotos.

Nessa época você não conhecia os skatistas pessoalmente.
Não. O primeiro que eu conheci pessoalmente foi o Thronn. Em 88, eu tinha o shape dele. Logo quando saiu. Uma vez eu encontrei com o Bolota numa loja que não tinha nada a ver com skate. Ele com o cabelo todo arrepiadão e eu comecei a pesar na dele perguntando como ele faz o cabelo. Outro cara que eu conheci também foi o Flavio Ascanio. A gente andava direto em frente a igreja da Nossa Senhora de Fátima. Isso era em 88.


Você tinha o sonho de ser profissional também?
Sim. Eu tinha ideia que ia conseguir pagar as contas andando de skate. Sustentar a família andando de skate. Hoje em dia tem um seleto grupo que consegue. Chegou nesse patamar que consegue viver somente de skate. É um seleto grupo porque eu sei que não é todo mundo. Mas há 25 anos atrás, chegar pro seu pai e falar que quer andar de skate, viver de andar de skate. Dizer que nos EUA tem um cara chamado Tony Hawk que ganha o equivalente a um médico. Meu pai ria da minha cara. Pra geração dos nossos pais, ídolos do esporte era Rivelino, Pelé, Sócrates. Pra eles, o cara que se tacar no esporte era jogando bola. Nunca o cara ia ter destaque andando de skate. Então era uma barreira tripla. De chegar pro seu pai e dizer, “não sou igual você. Minha geração é diferente”. Hoje em dia, ele liga a TV e vê o cara dando 900. Tem uma divulgação diferente. Coisa que na minha época, em 87 não existia. Então tive que parar de encarar com tanto profissionalismo. É o meu esporte, eu amo de paixão, só que não tinha como viver daquilo. Mas eu nunca abandonei o gosto e a paixão pelas quatro rodas. Poliuretano na veia.


E sua coleção de autógrafos nas revistas?
É uma forma de eu estar honrando os caras. Uma homenagem que eu faço a esses skatistas nacionais. Porque aqui no Brasil, hoje nós temos reconhecimento. Assim pela mídia. Uma parcela do reconhecimento a mídia. Mas na nossa época não existia isso. O cara andar de skate era renegado mesmo. Então um dia eu encontrei o Rui Muleque. O cara com o filho dele, mostrei um autógrafo, ele dando um sadplant. Ele mostrou pro filho dele, o filho não botou uma fé. O cara autografou pra mim quase chorando. Foi um momento emocionante. Pra mim, é uma coisa que eu faço como homenagem à esses skaters.


As revistas importadas também tem autógrafos.
Das importadas, a história mais engraçada foi do Danny Way. Eu levei pra ele uma revista nacional, uma Skatin. Ele muito criança, acho que com 13 anos, no half do McGill, no tempo que ele era da Powell. E ele olhou a revista. A mulher dele queria a revista pra ela. Essa foi a cena mais engraçada. O Hosoi pegou a revista com as fotos dele, ficou admirando tanto, que sumiu, ficou duas horas com a minha revista. Pensei que ele tinha levado embora. Mas ele devolveu autografada. Assim, de coração. Foi clássico.


Tem alguém que você quer ainda pegar o autógrafo?
Eu tô contando aí com a presença do inventor do McTwist, o Mike McGill. Fiquei sabendo que ele vai colar aí esse ano. Já tô separando as páginas certas. Eu tenho a matéria da revista Trip, de 86, se eu não me engano, que mostra ele no Summer Camp, dando o mctwist na base. E um cara que eu queria que viesse para o Brasil é o honrado Rodney Mullen. Eu tenho um pôster dele que ele vai desacreditar. Eu tenho uma revista Overall com a matéria que ele ganhou nota dez de todos os juízes e eu quero que ele veja o quanto ele representa pra mim. O quanto que o skate evoluiu com a influência dele.


Você acha que as revistas de skate estão morrendo, elas vão virar digital?
A tendência no mundo todo é digitalizar. Tudo é iPad hoje em dia. Mas eu acho que o prazer de você ter a sua revista. Eu mesmo frequento as duas maiores revistas aqui do Brasil. Pra mim, chegar e receber das mãos dos editores da Tribo e da 100% as revistas, é uma emoção. Eu espero que não acabe. Porque tem um calor diferente, uma vibe diferente. Claro, se a tendência é digitalizar, a informação vai ser mais rápida. O cara que tá lá nos cafundós vai poder apertar um Google, alguma coisa e saber a informação da mesma maneira. Só que aquele carinho, o calor de ter a revista e folhear, olhar a foto, poder arrancar, fazer um pôster. Isso é uma coisa que é da minha época, mas vai ficar pra sempre. Eu sou duma época que andava com uma revista debaixo do braço. Uma revista Overall, uma revista Skatin. O cara tinha paixão mesmo. Quantas vezes eu trabalhava de office boy e tinha que fazer trabalho daqui e tinha que ir lá pra Santo Amaro. Eu ia e voltava lendo uma revista. Uma coisa que não vai morrer nunca. A tendência da paixão de ler o físico não vai morrer nunca. Pode digitalizar o quanto quiser, meter na web aí, mas a revista espero que não morra nunca. Espero que continue pra sempre.
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Pra finalizar…
E nessa semana, dia 4 de agosto, Fumaça e outros fãs de Mike Mcgill, Christian Hosoi, Eddie Elguera e Duane Peters terão a oportunidade de andar junto com eles e pegar autógrafos na terceira edição da Pig Pool Party, em Lorena, interior de São Paulo. Para saber mais, veja no site da Urgh, AQUI.

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